Rua José Leite da Silva, 65. Bairro de Angelim, na cidade de Sousa. O endereço que hoje leva a um mercado já foi uma casa humilde, dentre outras do bairro pobre no sertão da Paraíba. Lá, na terra dos dinossauros, morou Francisco das Chagas Soares dos Santos. Tiquinho Soares. Garoto “miúdo” que cresceu movido pelo amor ao futebol, talento comparado a Romário e paixão pelo Corinthians.
Craque do embalado Botafogo e artilheiro do Brasileirão, o nome do atacante de 32 anos se espalha pela cidade, vira assunto – e motivo de admiração – inclusive entre os conterrâneos rivais.

“Mesmo eu sendo flamenguista, um cara que nasceu aqui, da classe humilde. Torço demais por ele, merece todo o sucesso”, diz o fotógrafo Márcio Moraes.
Nem sempre foi assim. Antes do prestígio conquistado no Brasil e também na Europa – com passagens pelo Porto, Olympiacos e Nacional -, o esporte era um sonho distante. Uma brincadeira de criança. Porque Francisco das Chagas tinha outras preocupações – em casa, a maior delas.
Para ajudar a família, que vivia na dureza financeira, por vezes dependendo da mão amiga dos vizinhos para comprar comida, Tiquinho se virava como podia.

Fez bicos vendendo picolé nas peladas onde o pai jogava, trabalhou na limpeza do matadouro de Licínius Moreira, agropecuarista conhecido da cidade, e também se aventurou como servente de pedreiro.
“Ele dava a massa nos baldes, traçava. Dava conta do recado. Toda vida foi um menino esforçado”, lembra o pedreiro Francisco Vieira, que ergueu algumas casas em Sousa com o pai de Tiquinho e o próprio atacante do Botafogo.
- Eu não lembro dele ter trabalhado aqui, porque diariamente passam centenas e centenas de pessoas. Mas eu não perco um jogo do Botafogo por causa desse Tiquinho – relata Licínius.
Quando Francisco virou Tiquinho

Na esteira da vida, o futebol só viraria coisa séria depois. Com Nildo Lima, dono de uma escolinha de bairro em Sousa e o primeiro treinador do camisa 9 alvinegro – que precisou de pouco para, já naquela época, prenunciar:
“Você sente quando o menino tem vocação para o negócio”.
- A gente não sentia que ele seria o Tiquinho grandão que é hoje, mas a gente sentia que ele poderia ter uma vida boa através do futebol, por ter passada longa, por ter um domínio de bola diferente dos outros, por cabecear bem.
Para mim, ele é o segundo Romário. Quando ele finaliza a bola, é caixão e vela preta”
— – diz Socorro Alves, uma das primas do craque do Glorioso.
Junto com os amigos, Tiquinho jogava bola em um campo de terra batida próximo de casa, em Angelim. Hoje, um espaço que não existe mais, transformado em canteiro de obras para abrigar outras residências do bairro e creches.
Mas foi ali onde Francisco plantou as suas sementes. E colheu – depois de rodar por 12 times de menor expressão, em sua maioria do Nordeste, e até passar fome em uma ida desiludida para Portugal, quando criança.
E quem é Tiquinho?
O sucesso de agora diz pouco sobre o jogador. Pois ele ilustra apenas a consequência de um trabalho bem feito com gols e assistências. Mas são as raízes por trás do atacante do Botafogo que definem quem ele é: um cara simples.
Mais do que isso: que ajuda o próximo. Como nos momentos mais duros da pandemia de Covid-19, em que distribuiu cestas básicas para abastecer o bairro onde cresceu. Sem holofotes.
E, quando está de férias, volta justamente ao seu refúgio: o sertão da Paraíba. Numa rota já conhecida.
- Todo final de temporada o primeiro destino dele é passar nos pais, em João Pessoa, em Natal, para ver a irmã, e Sousa – conta Adriana Alves, prima.
Perto da família (só de primos são mais de 50), Tiquinho se reconecta consigo mesmo. Com suas origens. Joga sinuca com os amigos, conversa com moradores do bairro na calçada da casa dos primos – se deixar, virando a noite -, faz churrasco…
Não perde a essência de criança. Daquele garoto irreverente, hoje discreto diante das câmeras.
- Ele é muito gaiato, brincalhão. Nunca foi tímido e gostava de imitar o barulho do pica pau. Jogava bolinha de papel na professora na escola – lembra, aos risos, Eduardo Pereira, amigo de infância de Tiquinho.
Um garoto que também guarda lá os seus segredos: o atacante do Botafogo era corintiano na infância e filho de pai flamenguista. A prima, Adriana Alves, quem revelou o mistério, ameniza:
“Mas isso antes dele começar a carreira dele, dele estourar, que hoje ele é Botafogo. E todo mundo aqui torce pelo Bota? Fogo!”.
Campo que era escolinha de Tiquinho Soares ocupado por areia, casas e creches
A alegria da família acompanha o orgulho – estendido por toda a cidade de Sousa – pelo jogador. Os conterrâneos alvinegros que o digam.
- Para nós foi a maior felicidade do mundo o Botafogo trazer Tiquinho Soares. Ô, Jesus, vamos abençoar o Botafogo, que traga esse título com gol de Tiquinho Soares – pede o funcionário público Luiz Lusélio, mais conhecido como Lela Botafogo, fundador da torcida Sousa Fogo.
“Depois de Loco Abreu, o maior ídolo do Botafogo no momento é o Tiquinho Soares. Ele já era para estar na Seleção. Quando ele faz gol, vou dizer a você… Eu me arrepio todinho”, acrescenta o comerciante José Filho.
O pacato cidadão Tiquinho Soares
Entre a admiração e o carinho conquistado por todos, as imagens que espelham o atacante do Botafogo se multiplicam.
Do homem caseiro, casado há 15 anos com a esposa Ângela e pai de três, Cristiano, Mariana e Carolina. Do garoto que honra sua família. Mas igualmente do Tiquinho Soares profissional, artilheiro. O Francisco referência.
- Ele representa uma inspiração para mim, um herói. Que saiu daqui, desses campos, e hoje está onde está – afirma o pequeno flamenguista Lorenzo Braga, aluno da escolinha de Nildo e que sonha em seguir os passos de Tiquinho. De ousar e realizar.
Informações com Globo Esporte