O que a região da baía da cidade de São Francisco, na Califórnia, tem em comum com o Sertão da Paraíba? Em uma palavra: silício. A diferença está na aplicação. Na América do Norte, o elemento é a base material da indústria tecnológica que se desenvolve desde meados do século XX. Na Paraíba, o silício é empregado para proporcionar maior resistência aos vegetais em plantações no Semiárido. Os resultados das pesquisas feitas em universidades paraibanas já ultrapassaram as fronteiras e alcançaram publicações científicas no exterior. O desenvolvimento de projetos com aplicação de silício e de outras substâncias para fortalecer as plantas ocorre em instituições de ensino localizadas no Sertão e interage com os agricultores locais.
Esse tema aponta para dois vieses. Um deles, é o uso da ciência para a solução da escassez de água para irrigar plantações. O outro, é esse conhecimento ser gerado em universidades distantes dos grandes centro urbanos e próximas das comunidades, cuja agricultura é a principal atividade econômica de subsistência.
Segundo Alberto Soares de Melo, professor do Departamento de Biologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que coordena pesquisas nessa área, a aplicação de silício como fertilizante potencializa a força da planta para ela se desenvolver mesmo quando a água é pouca e o calor é grande. Além do silício, também são testadas outras substâncias como o ácido acetil salicílico (AAS, usado na composição do medicamento “Aspirina). Com uma trajetória extensa de experiências, o professor Alberto se dedica atualmente à pesquisas com o feijão caupi, o feijão de corda. A partir do campus da UEPB em Campina Grande, Alberto e sua equipe percorrem terras em Santa Luzia, Pombal, Catolé do Rocha, Lagoa Seca, entre outros municípios. Os resultados de várias experiências já foram apresentados em congressos nacionais e internacionais, com publicações inclusive fora do Brasil.
“As famílias de agricultores no interior dependem do que plantam para se alimentarem e o feijão de corda tem muita proteína. A planta que dá esse tipo de feijão se adaptou com o clima e com o solo sertanejo e nós estamos estudando as características dessas sementes para termos plantações mais homogêneas, que produza plantas com a mesma estatura, mais tolerante à doenças, que se adaptem a aridez”, explica o professor Alberto.
Se, por um lado, os pesquisadores recebem sementes das agências de pesquisas, por outro, eles se interessam pelas sementes cultivadas pelos agricultores locais: “A partir desse mês de julho, começaremos a visitar as plantações, registrar o georreferenciamento, identificar plantas com um bom potencial, coletar sementes e levar para análise no laboratório. Faremos um comparativo com materiais de outras agências de pesquisa”, revela Alberto Soares.
Essas pesquisas, e outras em andamento, compartilharão espaço no Centro Multiusuário de Inovação Tecnológica em Sistemas de Produção Agrícola para o Estado da Paraíba (Cemproagri/PB), uma iniciativa da Secretaria de Estado da Educação da Ciência e Tecnologia (SEECT), executado via Fundação de Apoio à Pesquisa (Fapesq), para equipar laboratórios já existentes na UEPB. O Cemproagri será coordenado pelo professor Alberto Soares; pesquisadores da Empaer, da Embrapa, da UFPB e da UFCG, parceiros nas pesquisas, também trabalharão neste local.
Quando se contempla a caatinga sob um olhar de visitante, tem-se a impressão de que a flora é muito restrita e jamais será abundante. Ao contrário: “pode não parecer – fala Alberto Soares – mas a biodiversidade é muito grande”. No Vale do Silício, nos Estados Unidos, onde prosperaram grandes empresas de base tecnológica, o elemento químico está em componentes eletrônicos. Na Paraíba, o silício está potencializando uma atividade agrícola de subsistência por meio da ciência.
“Descubra o que pode revolucionar a nossa agricultura”
As mãos de Rener Luciano de Souza Ferraz têm cicatrizes de ferimentos feitos na lida com a palma forrageira. Na infância, aos sete e oito anos, colhia e preparava a palma para alimentar o gado em Tacarutu, Pernambuco, na divisa com Paulo Afonso na Bahia, onde morava, com os tios e avós. “Não entenda isso como um trabalho infantil, como tratam hoje – salientou Rener – era assim no Sertão, uma vida restritiva com relação a recursos. Tínhamos um pedaço de terra mas a escassez de água não dava condições de cultivar”.
Adolescente, Rener foi levado para Campina Grande, onde estudou e serviu no quartel. Os comandantes identificavam no jovem o gosto pelos estudos e o incentivaram a fazer o vestibular. “Passei na UEPB, para o curso de Ciências Agrárias, em Catolé do Rocha, e iniciei em um programa de iniciação científica, meu primeiro contato com a ciência. Foi um marco na minha vida, de fato. Quando cheguei na universidade eu já tinha uma boa base para trabalhar na terra. Na universidade, me deparei com os métodos científicos, com a forma de fazer pesquisa, e comecei a enxergar muitas oportunidades para transformar a realidade do local onde eu vivi e onde eu morava, em Catolé do Rocha.”
Rener fez mestrado em Campina Grande, na UEPB. Ao chegar, ouviu um conselho de seu orientador, Napoleão Esberard de Macêdo Beltrão: “Você está chegando agora, talvez não me conheça, mas eu gosto de inovar. Então, descubra alguma coisa com a qual você consiga revolucionar a nossa agricultura.” Impactado, topou o desafio, com o propósito de se voltar para o Semiárido. Encontrou uma base de dados científicos e buscou informações sobre como atenuar a escassez hídrica, e apareceu: silício. “Eu pensei: nossa! Será que essa é a solução para nossa realidade?”, disse Rener.
Ele conta que conheceu outro pesquisador que trabalhava com a aplicação de cimento em cana de açúcar. “Aquilo me inquietou porque o que tem no cimento é a sílica. Pesquisamos o solo e, na sua maior parte, é constituído de sílica. Então me convenci de que precisava purificar e concentrar a sílica para usar como um fertilizante orgânico. Descobrimos que o silício promovia um crescimento nas características da planta, nos componentes da produção e comprovamos que o silício induz melhorias nas característica tecnológicas na fibra de algodão. Houve o estalo para direcionar essa tecnologia para o feijão caupi e o professor Alberto Soares investiu nessa hipótese”, lembra Rener.
Depois de estudar e trabalhar por três anos em São Paulo, Rener volta a Campina Grande e inicia o doutorado em Engenharia Agrícola. O orientador, Prof. José Dantas Neto, falou da palma forrageira: “Lembrei do gado da minha família, que se alimentava com a palma. Trabalhamos com aplicação de nitrogênio na produção de palma na região de Santa Luzia, o que resultou numa produção fantástica. Esse projeto gerou outras teses e dissertações. Induzimos a tolerância na palma contra a podridão com aplicação de silício. Resultados positivos”, fala Rener.
Contudo, para Rener, hoje professor na UEPB, em Lagoa Seca, as informações científicas em torno da palma ainda estão dispersas – continua. É necessário concatenar todas essas ideias e entregar um pacote tecnológico ao produtor.
FAPESQ